Risco de morte de trabalhadores motivou interdição da barragem da Vale em Mariana

A interdição vale para áreas como crista, taludes a jusante, rejeitos a montante e mancha de inundação, região que pode ser atingida por lama caso haja ruptura da barragem.

Parte de barragem da Mina de Alegria é interditada em Mariana

Parte de barragem da Mina de Alegria é interditada em Mariana

 

Auditores-fiscais do Trabalho interditaram as atividades executadas por trabalhadores na barragem do Xingu, na Mina da Alegria, que está localizada em Mariana, na Região Central de Minas Gerais.

Na avaliação dos auditores, caso a estrutura, que está em nível 2, se rompa, há risco iminente de morte de diversos trabalhadores simultaneamente.

Mina da Alegria, da Vale, em Mariana (MG). — Foto: Vale / Divulgação

A interdição foi divulgada no dia 4 de junho e tinha sido confirmada, na data, somente pela Vale. Sem dar detalhes, a mineradora havia dito que a proibição valia para a circulação de trens da Estrada de Ferro Vitória a Minas, próximo à barragem, bem como os “acessos internos à Mina da Alegria.”

Mas, segundo a Superintendência Regional do Trabalho (SRTE), a interdição vale para trabalhadores que atuavam sobre a crista, nos taludes à jusante, na área sobre rejeitos à montante e na mancha de inundação, região que pode ser atingida por lama caso haja ruptura da barragem.

A fiscalização na barragem foi realizada pelos auditores-fiscais no dia 20 de maio, após análise de documentos apresentados pela mineradora.

“A análise dos documentos apresentados pela própria empresa revela que a barragem Xingu não apresenta condições de estabilidade, com alguns fatores de segurança para situações não drenadas inferiores a 1,0, oferecendo risco significativo e iminente de ruptura. Trata-se, portanto de situação de extrema gravidade que coloca em risco trabalhadores que executam atividades, acessam ou permaneçam sobre a crista, nos taludes à jusante, na área de inundação e na área sobre os rejeitos à montante da barragem”, afirmou a superintendência em nota.

 

Ainda de acordo com a SRTE, engenheiros e técnicos responsáveis pela barragem relataram que o rejeito lançado na Xingu não era drenado e era lançado de “forma errática”, ou seja, não havia controle do que era depositado no local.

Na avaliação dos auditores, intercalar rejeitos mais granulares com finos (pouco drenantes) podem criar o efeito de “lençóis freáticos empoleirados”, o mesmo que ocorreu na barragem B1 de Córrego do Feijão, em Brumadinho. A estrutura se rompeu em janeiro de 2019, matando 270 pessoas.

Para a suspensão da interdição, segundo a Superintendência, será necessária a adoção de medidas técnicas necessárias para garantir a estabilidade da barragem de contenção de rejeito, de forma que o risco de ruptura iminente seja eliminado.

A Vale chegou a pedir a suspensão parcial, para trânsito de veículos e circulação de trens no trecho de ferrovia. Uma reunião foi realizada em 31 de maio, em que foi corroborada a “possibilidade” de ruptura por liquefação da estrutura da barragem, como o ocorrido na B1.

A Superintendência deu à Vale prazo até 1º de junho para apresentação de novos documentos. Mas, a mineradora não apresentou “nenhuma medida efetiva implementada que caracterize a eliminação ou mitigação dos riscos aos trabalhadores próprios ou terceiros que laboram ou transitam na ZAS do barramento Xingu, mormente os trabalhadores da rede férrea e motoristas de veículos e caminhões, que se pretende fazer circular à jusante do barramento”, informou a SRTE.

Nem mesmo apresentou, segundo a SRTE, estudos e laudos técnicos, que comprovem que o risco de ruptura foi eliminado,ou provas de que houve restabelecimento de condições mínimas de estabilidade da barragem.

A paralisação, segundo a SRTE, só não vale para serviços necessários para a estabilização da barragem, desde que todas as medidas de segurança sejam adotadas.

Segundo a Agência Nacional de Mineração, e a Defesa Civil Estadual, toda a área conhecida como Zona de Auto Salvamento já foi evacuada.

Em nota, a Vale disse que “não existe risco iminente de ruptura da barragem de Xingu e que não houve alteração nas condições ou nível de segurança da barragem, que permanece em nível 2. A barragem Xingu é monitorada e inspecionada continuamente por equipe técnica especializada e está incluída no plano de descaracterização de barragens da companhia. A Zona de Autossalvamento (ZAS) da Barragem Xingu permanece evacuada.

Não obstante, em conformidade com o termo de interdição da Superintendência Regional do Trabalho, a Vale suspendeu o acesso de trabalhadores e a circulação de veículos na zona da inundação da barragem Xingu, sendo permitidos apenas acessos imprescindíveis para estabilização da estrutura, com rigoroso protocolo de segurança.”

Interdição e descaracterização

 

A ANM informou que a barragem foi interditada em março do ano passado, quando passou para o nível 1 de emergência. E que, em 1º de setembro, entrou para o nível 2, situação que ainda permanece. A Vale não pode, desde então, dispor rejeito na estrutura.

A ANM disse que vistoriou a estrutura junto com uma empresa contratada pela agência para dar suporte nas fiscalizações. A vistoria foi acompanhada da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam).

A agência disse que fez “várias exigências” para a barragem e que a mineradora cumpriu “algumas” e pediu prorrogação de prazo para outras, mas não deu detalhes. De acordo com a Feam, foram encontradas erosões em adição à ausência de proteção vegetal em vários pontos da estrutura.

A fundação também confirmou que havia camadas material com teor mais argiloso, intercaladas por camadas de material arenoso na base dos taludes, “sem evento pluviométrico correlacionado”.

A ANM disse que segue “acompanhando o caso, com reuniões periódicas com a empresa, ficando sempre ciente da evolução, tanto desta estrutura, como das outras que estão em nível de emergência”

Estrutura não era classificada como barragem

 

De acordo com a Feam, a vistoria constatou que esta condição de retenção de umidade detectada na estrutura, não condizia com o enquadramento como de “empilhamento drenado”.

Vinte dias após a ação da ANM e Feam, em 21 de setembro, a Vale alterou o enquadramento da estrutura, que passou de “empilhamento drenado” para barragem à montante. O órgão estadual pediu, então, projeto de descaracterização da estrutura.

A Feam informou, ainda, que em setembro, a Vale comunicou a elevação “preventiva” para nível 2 de emergência e, em novembro, apresentou um Projeto Básico de Descaracterização da estrutura.

A fundação afirmou, por fim, que “tem acompanhado a situação ambiental da estrutura, no intuito de demandar da empresa a execução de programas e projetos que visam reconhecimento e a proteção da qualidade ambiental a jusante da estrutura.”

Com informações G1