A partir de seis exemplos estatísticos, entenda as razões pelas quais a luta contra o racismo no Brasil é uma luta ainda por igualdade e direitos mínimos, e não vitimismo, como defendem setores conservadores
Hoje, no Brasil, movimentos que denunciam a dívida histórica do país para com a sua população negra e defendem políticas afirmativas como cotas em universidades e concursos públicos são taxados como vitimistas, ou o vulgo “mimimi”, por setores conservadores da sociedade brasileira. “Eu nunca escravizei ninguém, que dívida é essa?” é uma das frases ditas por um candidato à Presidência, que ficaram famosas por traduzir o pensamento conservador de que o que fazem os movimentos que lutam contra o racismo é “mimimi vitimista”.
Porém, quando analisados os dados socioeconômicos brasileiros, verifica-se que a luta contra o racismo no Brasil é uma luta por igualdade, por direitos mínimos, e não qualquer espécie de vitimismo.
O Brasil – último país das Américas a abolir a escravidão, no qual a abolição protocolar deixou negros, ex-escravos, totalmente desassistidos, sem qualquer política de reparação ou mínima inserção social – “ostenta” dados que não deixam dúvidas de que a luta contra o racismo, por meio também de políticas afirmativas, não só tem um caminho longo pela frente, como também é fundamental na perspectiva de um país que se propõe a ser chamado de civilizado.
Igualdade salarial só em 2089
Apenas em 2089, brancos e negros terão renda equivalente no Brasil. A projeção é da pesquisa “A distância que nos une – Um retrato das Desigualdades Brasileiras”, da ONG britânica Oxfam. Em média, os brasileiros brancos ganhavam, em 2015, o dobro do que os negros: R$1.589, ante R$ 898 mensais.
A conta é feita com base em dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), considerando rendimentos como salários, benefícios sociais, aposentadoria, aluguel de imóveis e aplicações financeiras, entre outros.
Ainda segundo o relatório, 67% dos negros no Brasil estão incluídos na parcela dos que recebem até 1,5 salário mínimo (cerca de R$1400). Entre os brancos, o índice fica em 45%.
Feminicídio de mulheres negras aumentou, das brancas caiu
O feminicídio, o assassinato de mulheres por sua condição de gênero, também atinge sobretudo mulheres negras. Entre 2003 e 2013, o número de mulheres negras assassinadas cresceu 54%, enquanto entre brancas caiu 10%. Os dados são do Mapa da Violência 2015, elaborado pela Faculdade Latino-Americana de Estudos Sociais.
As mulheres negras também são mais vitimadas pela violência doméstica: 58,68%, de acordo com informações do Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher, de 2015. Elas também são mais atingidas pela violência obstétrica (65,4%) e pela mortalidade materna (53,6%), de acordo com dados do Ministério da Saúde e da Fiocruz.
Jovens e negros: as maiores vítimas da violência
Homens, jovens, negros e de baixa escolaridade são as principais vítimas de mortes violentas no País. De acordo com informações do Atlas da Violência 2017, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a população negra corresponde a maioria (78,9%) dos 10% dos indivíduos com mais chances de serem vítimas de homicídios.
Atualmente, de cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras. Negros possuem chances 23,5% maiores de serem assassinados em relação a brasileiros de outras raças, já descontado o efeito da idade, escolaridade, do sexo, estado civil e bairro de residência.
Maioria dos presos
Mais da metade (61,6%) da população carcerária são pretos e pardos, revela o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen).
Na contramão do mundo, a taxa de aprisionamento no Brasil não está diminuindo. Entre 2004 e 2014, o índice cresceu 67%. A taxa de superlotação por aqui também é maior: 147% no Brasil, ante 102% nos Estados Unidos e 82% na Rússia.
Baixa representatividade no cinema e na literatura
Segundo pesquisa da Universidade de Brasília (UnB), só 10% dos livros brasileiros publicados entre 1965 e 2014 foram escritos por autores negros, A pesquisa também analisou os personagens retratados pela literatura nacional: 60% dos protagonistas são homens e 80% deles, brancos.
Já a pesquisa “A Cara do Cinema Nacional”, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), revelou que homens negros são só 2% dos diretores de filmes nacionais. Entre os roteiristas: só 4% são negros.
O levantamento da UERJ considerou as produções brasileiras que alcançaram as maiores bilheterias entre 2002 e 2014. Dentre os filmes analisados, 31% tinham no elenco atores negros, quase sempre interpretando papeis associados à pobreza e criminalidade.
Desemprego
A crise e o desemprego também atingem com mais força a população negra, que representa 63,7% dos desempregados. Com isso, a taxa de desocupação de pretos e pardos ficou em 14,6% – entre brancos, o índice é 9,9%.