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Conheça a história do designer que largou tudo para viver nas ruas e compartilhar sua experiência nas redes sociais

Para Augusto Espíndola, de 41 anos, percorre cidades como Curitiba, São Paulo e Belo Horizonte, mostrando sua nova realidade — e a de outros moradores de rua que encontra pelo caminho — em vídeos que já somam milhares de visualizações

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O que realmente significa viver em situação de rua? Augusto Espíndola, de 41 anos, designer industrial de Curitiba (PR), decidiu ir muito além da reflexão e mergulhou nessa realidade. Desde outubro do ano passado, deixou tudo para trás e começou a viver nas ruas de grandes cidades do país. Já passou por Curitiba, São Paulo e, agora, está em Belo Horizonte. A intenção é chegar até capitais do Norte do Brasil. Toda a experiência é documentada em vídeos e publicada nas redes sociais.

“Eu pensei: ‘Dá para escrever um livro, aprender algo’, mas não planejava usar a internet. Começou conversando com as pessoas, perguntando onde dormem, como não morrem de frio. O que conto no Instagram são as mesmas curiosidades que eu tinha”, explicou. O perfil, criado em outubro do ano passado, soma quase 8 mil seguidores e dezenas de vídeos sobre banheiros públicos, trabalho com reciclagem e viagens de ônibus com apoio da assistência social.

Formado em desenho industrial pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Augusto trabalhou como designer gráfico e desenvolvedor web. Levou quase 10 anos para conquistar uma cartela forte de clientes e um salário de até R$ 12 mil. Em abril do ano passado, após o fim de um relacionamento e problemas com a empresa, perdeu todos os clientes. Ele contou que entrou em depressão e gastou quase todo o dinheiro que tinha.

“Eu era muito infeliz com a profissão que tinha, estava muito insatisfeito. Eu trabalhava com algo que não fazia a menor diferença para nenhum ser humano na face da Terra. Basicamente, eu só ganhava dinheiro — era completamente vazio de significado. Além disso, eu estava chegando perto da minha crise dos 40, quando percebi que eu não tinha filho, não tinha um legado, não tinha nada para deixar para trás.”

Depois da primeira consulta com uma psicóloga do Sistema Único de Saúde (SUS) para cuidar da saúde mental, surgiu a ideia de encarar a vida nas calçadas da cidade onde morava. ”Veio na cabeça uma frase de uma amiga: ‘Meu maior medo é virar mendiga’. Eu já tinha feito exercícios de psicologia comportamental. Quando vem o pensamento catastrófico, você pensa: ‘E se não for assim?’. Então me questionei: ‘E se não for tão difícil?”, disse.

Primeira noite na rua

Augusto passou quase nove meses estudando como sobreviver nas ruas, antes de dar esse passo. Começou vendendo balas em Curitiba. “A gente tem que começar por algum lugar”, contou. Depois de muito planejar, se arriscou dormindo a primeira noite fora de uma casa, a uma quadra do antigo endereço. “Acordei com dor nas costas, mas dormi. Pensei: ‘Acho que consigo dormir no centro’. E fui”, lembrou.

Redes sociais/ @oaugustoespindola

Augusto publica vídeos nas redes sociais desde outubro do ano passado

Seguiu para São José dos Pinhais, na Grande Curitiba, onde viveu cerca de uma semana como morador de rua. “Foi tudo diferente do que eu conhecia. Cheguei numa cidade em que outros moradores faziam um milhão de perguntas, quase como uma entrevista. No quarto dia, me explicaram: ‘A gente achou que você era ‘noia’ de Curitiba e veio roubar nossas coisas’. Descobri que ali muitos não eram dependentes químicos”, contou.

Em outubro, foi para Santos (SP), onde enfrentou a situação mais difícil até hoje: “Era uma terça-feira por volta das 22h. Não tinha passado ninguém para doar nada, eu estava deitado com meu cobertor, ao lado de um amigo que estava com febre. Deu meia-noite, e nada de comida. Foi então que liguei para minha mãe e pedi R$ 9 para comer um cachorro-quente. Fui lá, comi, voltei e deitei do lado dele. Quando ele acordou, perguntou se tinha passado alguma doação. Falei que não. Para mim, foi muito difícil porque eu me senti um lixo. Teria sido mais fácil se eu também não tivesse comido nada.”

Rumo a São Paulo

Augusto desembarcou na capital paulista — onde vive a maior população de rua do Brasil — dois meses depois. Segundo o Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua, a maioria dos moradores de rua está na região Sudeste — São Paulo (106 mil), Rio (27 mil) e Minas (26 mil).

Redes sociais/ reprodução

Na foto, Augusto vivendo em São Paulo

Para sobreviver, reciclou latas. Com os primeiros R$ 15, decidiu comprar um livro. “Trabalhei dois, três dias e consegui guardar R$ 15. Daí fiquei refletindo: Tá, que bom que eu não uso drogas, que bom que eu nunca fumei crack, porque é a única coisa que dá para comprar. Você não ganha o suficiente por dia para manter alimentação. Trabalhei dois dias para comprar duas coxinhas? Não dá. Pensei: posso comprar uma capinha para o celular, mas decidi comprar um livro porque, sei lá, vai que acontece alguma coisa com o celular, pelo menos tenho o livro”, relatou.

Ele escolheu “Irmãs de Verão”, de Judy Blume, que narra a amizade entre Victoria “Vix” Leonard e Caitlin Somers, duas adolescentes que passam os verões em Martha’s Vineyard. A história explora como essa amizade evolui ao longo dos anos, com diferenças de personalidade e desafios. “Graças a Deus entrei numa livraria e comprei o livro, porque dois dias depois meu celular estragou”, contou.

Abordagem policial e insegurança alimentar

Em um dos vídeos publicados por Augusto, ele conta sobre as abordagens policiais que já enfrentou e reconhece que, por ser um homem branco e loiro, sua experiência é diferente da vivida por outras pessoas na rua. “Eu tenho plena consciência de que o modo como sou abordado provavelmente é completamente diferente de uma pessoa de outra etnia”, destacou.

“Em Santos, teve uma vez que o policial chegou e falou: ‘O que você está fazendo dormindo na rua? Você parece mais que era para estar na Globo’. Em outra ocasião, enquanto todo mundo estava parado esperando a revista, o policial olhou para mim e perguntou: ‘Esse seu cabelo loiro é natural ou é pintado?’”, relatou.

Já em São Paulo, ele contou que os policiais foram extremamente grosseiros. “Falavam para eu não pegar nada, mas quando eu não pegava, reclamavam. Quando expliquei que estava fazendo uma etnografia, o policial ficou tirando sarro de mim como se eu estivesse inventando.”

Além da preocupação de que seus pertences sejam recolhidos pelas autoridades, ele conta que existe um medo constante que guia a rotina diária de Augusto, desde a hora em que acorda até pouco antes de dormir. “Que horas são? Eu ainda consigo pegar o café? Será que tomo banho agora? Será que, se eu tomar banho, vai dar tempo de conseguir pegar o almoço? Será que hoje à noite vai ter doação? Se tiver, onde vai ser? Será que vai ser o suficiente para eu comer?”, questiona.

 

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