Sargento cria grupo na web contra soldado ameaçada de estupro por superior no litoral de SP

Jéssica Paulo do Nascimento, de 28 anos, afirma que recebeu prints que apontam que sargento ao qual respondia criou grupo com o nome ‘Todos odeiam Jéssica’.

Ex-soldado recebeu denúncia de que sargento ao qual respondia quando era PM criou grupo de WhatsApp contra ela — Foto: Arquivo Pessoal

O advogado da ex-soldado Jéssica Paulo do Nascimento, de 28 anos, que denunciou um tenente-coronel por assédio sexual e ameaças de morte, protocolou uma petição na Polícia Militar após ela descobrir que um grupo de WhatsApp com o nome “Todos odeiam Jéssica” foi criado pelo sargento para o qual respondia antes de sair da corporação. Recentemente, Jéssica foi exonerada da PM, depois de decidir deixar a carreira. Ela afirma que abandonou o cargo após sofrer pressão dentro da corporação devido à repercussão do caso (ouça aqui áudio em que o tenente-coronel faz ameaças a soldado).

Antes de deixar a PM, Jéssica estava lotada no 45° Batalhão da Polícia Militar do Interior (BPM/I), em Praia Grande, no litoral de São Paulo. Contudo, a denúncia por assédio sexual e ameaças de morte é relacionada à época em que ela atuava na capital paulista, contra o tenente-coronel Cássio Novaes.

G1 tentou contato com o tenente-coronel denunciado pelos crimes, mas não obteve retorno. O oficial foi afastado do comando do batalhão onde atuava, e a investigação é conduzida pela Corregedoria da PM, sob segredo de Justiça.

Ex-soldado Jéssica denunciou tenente-coronel por assédio sexual, ameaças de morte e de estupro — Foto: G1 Santos

Ex-soldado Jéssica denunciou tenente-coronel por assédio sexual, ameaças de morte e de estupro — Foto: G1 Santos

Sidnei Henrique, advogado de defesa da ex-soldado, explica ao G1 que as medidas cabíveis já foram tomadas junto à Corregedoria, a partir da petição, protocolada na noite desta segunda-feira (6). No documento, o advogado requereu a instauração de um Inquérito Policial Militar (IPM) para investigar os novos fatos, bem como a instauração de um processo administrativo regular para verificar a conduta desse policial militar.

Foi reiterado, também, o pedido de imposição de medidas protetivas em favor de Jéssica, tanto com relação ao tenente-coronel já acusado anteriormente quanto em relação, também, ao sargento responsável pelo grupo de WhatsApp.

“A criação de um grupo fomentando ódio coloca veementemente em risco a vida da ex-soldado e da sua família. Além das medidas citadas, também foi requerido que, diante da gravidade dos fatos, os autos do IPM que apura o crime de assédio sexual seja remetido para a Justiça Militar com essa novas informações com urgência, a fim de que o Ministério Público tome ciência dos fatos e, assim querendo, se manifeste a respeito”. A defesa afirma, também, que espera que todos os policiais militares envolvidos neste ocorrido sejam ouvidos, para que possam prestar esclarecimentos à Corregedoria.

A PM não se posicionou sobre a petição até a última atualização desta reportagem. O G1 também entrou em contato com o sargento por meio de telefone, mas não foi atendido ou respondido.

Assédio sexual e ameaças de morte

 

Sobre a denúncia contra o tenente-coronel Cássio Novaes, as investidas pessoais do superior à então soldado Jéssica começaram em 2018, segundo ela. Ele havia acabado de assumir o comando do Batalhão da Zona Sul de São Paulo, quando passou pelas companhias para se apresentar aos policiais militares e a conheceu, chamando-a para sair assim que conseguiu ficar a sós com ela.

“Em um momento em que a gente ficou um pouco sozinho, ele assim veio em uma total liberdade, uma intimidade. Mas a gente nunca tinha se visto, né? E me chamou para sair na cara dura”, relembra.

 

Ela disse ao superior que era casada e tinha filhos, recusando o convite. “Depois desse dia, minha vida virou um inferno“, desabafa. A ex-soldado relata episódios de investidas sexuais, principalmente, por mensagens, ameaças por áudio, humilhação em frente aos seus colegas e até mesmo sabotagem quando se recusou a ceder aos pedidos do superior.

Ela ficou dois anos e meio afastada do serviço para evitar contato com ele. No entanto, a licença acabou em março e ela precisou voltar ao serviço. Ele conseguiu o telefone dela e as investidas recomeçaram, segundo ela, cada vez mais insistentes. O comandante prometia sustentar os filhos da então soldado, dar uma promoção para ela dentro da corporação e a transferência que ela queria para o litoral paulista.

Em março, comandante conseguiu o telefone da soldado e passou a enviar mensagens de cunho sexual — Foto: G1 Santos

Em março, comandante conseguiu o telefone da soldado e passou a enviar mensagens de cunho sexual — Foto: G1 Santos

“Eu pensei que precisava de provas, porque ele sempre ia fazer isso e ninguém ia acreditar. Entrei em contato com um advogado e ele me orientou a ver até onde ele iria, deixando ele falar”, conta. “Foram coisas muito baixas. Me ameaçou de estupro e de morte”.

As ameaças de morte vieram, também, por áudios. Em uma das falas, o comandante afirma que “não existe segredo entre dois, um tem que morrer” e “quem não tem problema na vida, está no cemitério“.

Sequência de mensagens recebidas pela soldado quando comandante descobriu que ela não iria a encontro — Foto: G1 Santos

Sequência de mensagens recebidas pela soldado quando comandante descobriu que ela não iria a encontro — Foto: G1 Santos

A ex-soldado decidiu formalizar uma denúncia na Corregedoria da PM no início de abril, quando percebeu que estava sendo enganada pelo tenente-coronel. Ele havia prometido que a levaria ao Departamento Pessoal para pedir pela transferência dela quando, na verdade, o DP estava fechado e ele planejava levá-la a um hotel.

Após a denúncia de assédio sexual e ameaças de morte, a ex-soldado tomou a decisão de deixar a corporação, ao ser pressionada no serviço. Entre os episódios que classifica como perseguição, está o desarmamento dela, escalas de trabalho na rua à noite, mesmo denunciando ameaças de morte, negativa para pedidos de transferência e chantagem com as férias às quais ela teria direito. Ela afirma que foi avisada de que poderia tirar férias “depois que pedisse baixa”.

Em entrevista ao G1 nesta terça-feira (8), a ex-soldado relatou que recebeu uma denúncia anônima de que um grupo de WhatsApp administrado pelo sargento ao qual respondia quando ainda estava lotada no 45° Batalhão da Polícia Militar do Interior, em Praia Grande, foi criado para disseminar ódio contra ela na web. Em prints que obteve, aparece o nome deste grupo, denominado “Todos Odeiam Jéssica”.

Conforme a denúncia, foram adicionados alguns policiais nesse grupo, que deixaram o grupo aos poucos, restando apenas o sargento e outra PM. No grupo, eram compartilhadas reportagens sobre a denúncia que Jéssica fez contra o tenente-coronel Cássio Novaes, e também sobre seu relato da perseguição que sofreu dentro da corporação após acusar o superior publicamente.

Para Jéssica, o grupo de WhatsApp comprova a perseguição que relata ter sofrido antes de ser exonerada. “Eu senti medo. Mesmo pedindo exoneração por causa dele [tenente-coronel], o homem criou um grupo para me humilhar, cujo título dizia que todos me odeiam. Porém, não é bem assim, porque tem pessoas lá dentro que me respeitam e me consideram, tanto que muitos saíram do grupo indignados, e ainda recebi print de tudo. Espero que a justiça seja feita, e que seja provado que esse homem é outro obcecado e vem me perseguindo”, afirma.

Polícia Militar

 

O advogado de defesa da ex-soldado informou que já havia solicitado medidas protetivas para ela e a família à Corregedoria da Polícia Militar de São Paulo, que foram negadas. Além disso, ele também pleiteou um pedido de prisão preventiva do tenente-coronel e a suspensão do porte e posse de arma dele.

Procurada pelo G1, a Polícia Militar disse, por nota, que recebeu a denúncia e imediatamente instaurou um Inquérito Policial Militar para apurar rigorosamente os fatos. O oficial foi afastado do comando do batalhão e a investigação é conduzida pela Corregedoria da Polícia Militar. Segundo a corporação, todos os fatos são sigilosos, conforme prevê a legislação.

Disse, ainda, que o pedido de exoneração é de autonomia exclusiva de um policial militar e dentro dos trâmites administrativos legais. Sobre as advertências, a corporação informou que quaisquer punições administrativas, quando aplicadas, seguem o rito legal e o direito constituído à ampla defesa preceituado no Regulamento Disciplinar da Policia Militar (RDPM).

Ainda, sobre seu pedido de afastamento médico quando ainda atuava como soldado, a PM afirmou que afastamentos médicos seguem critérios profissionais e são elencados sob o crivo dos Conselhos de Medicina.

Com informações G1