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O que explica agressões entre crianças ou adolescentes em escolas? Especialistas analisam

A reportagem conversou com uma socióloga e uma psicóloga para explicar sobre as origens de atos de violências em ambientes escolares e como lidar com o problema

Causas dos episódios de violência são multifatoriais, disse especialistas

Na semana passada, uma estudante de 12 anos denunciou ter sido estuprada por um adolescente de 16 em uma escola em Divinópolis, no Centro-Oeste de Minas. Na capital mineira, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) acompanha as denúncias de bullying e agressão envolvendo alunos do Colégio Santo Agostinho, uma das escolas mais tradicionais da cidade. O que esses episódios têm em comum?

A reportagem da Itatiaia conversou com a socióloga Andreia dos Santos e com a psicóloga especialista em mulheres, infância e adolescência, Nay Macedo, para explicar sobre as origens desses atos de violências em ambientes escolares.

“A partir dos casos que estamos acompanhando nos últimos dias, podemos analisar o processo de formação dentro da nossa sociedade que é extremamente violenta. Casos em escolas particulares chamam a atenção, mas esse é um fenômeno difundido em todas as classes sociais. Hoje, temos episódios de agressão física que vão além do bullying”, disse a socióloga.

A psicóloga esclareceu que eventos como esses não têm uma explicação, mas envolvem questões multifatoriais. Para ela, um caminho que pode ajudar a entender esse tipo de violência é a forma como meninos são educados em uma sociedade que supervaloriza masculinidade.

“Isso quer dizer que a maneira como socialmente educamos os meninos, de forma a reforçar esses padrões que frequentemente aparecem ligados à força, brutalidade, violência, dureza, erotização precoce, por exemplo, impactam no desenvolvimento físico, psíquico, comportamental, emocional e social dessas crianças”, disse.

Ela destaca que esse processo de socialização dos meninos não é apenas de responsabilidade dos pais e responsáveis, mas de “todas as estruturas da sociedade, como escolas, filmes e séries, livros, programas de TV, propagandas, internet, amigos, familiares e até o lazer e o esporte.”

Pornografia normaliza violência
Nay chama a atenção, também, para a pornografia moderna mainstream (mídia de massa), amplamente disponível na internet, que também pode afetar a percepção e comportamento masculino em relação ao corpo do outro.

“Ela é uma das ferramentas que ensina meninos que o corpo dos outros, especialmente das meninas ou dos meninos considerados inferiores, pode ser usado para dominação e humilhação, distorcendo noções saudáveis sobre intimidade, relacionamentos, autoimagem, consentimento”, explicou a especialista.

Isso porque, segundo a pesquisadora, pornografia normaliza atos de agressão sexual e física. “A internet pode atuar como um canal para disseminar esses valores, reforçando atitudes violentas, chegando às vias mais extremas”, acrescentou.

Meninos são os maiores autores
Os episódios de violência entre crianças e adolescentes têm sido chamados “violência entre pares”. E, conforme a psicóloga que estuda o tema, em muitos casos, os agressores são, de fato, meninos. “Nesse contexto, atos de violência entre meninos, como os relatados na reportagem, podem ser uma forma de ‘provar’ essa masculinidade”, explicou.

As vítimas podem ser tanto meninos quanto meninas, mas os tipos de violência costumam variar. “Meninos muitas vezes sofrem agressões físicas, como no caso mencionado, enquanto meninas são mais propensas a sofrer violência sexualizada ou de cunho emocional”, explicou.

As consequências para as vítimas
Crianças que sofrem violência podem desenvolver traumas que afetam autoestima, confiança e capacidade de formar relacionamentos saudáveis. “Do ponto de vista psicológico, essas experiências estão associadas ao aumento do risco de depressão, ansiedade e transtornos de estresse pós-traumático (TEPT). Estamos observando também nos noticiários números alarmantes relacionados a autolesões e suicídios”, disse a psicologa.

Estudos apontam que crianças que experimentam maus tratos físicos e psíquicos em casa ou na escola também podem estar mais propensas a esses comportamentos, como agressores ou vítimas.

Uma pesquisa feita pelo Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz Bahia), em colaboração com pesquisadores de Harvard, mostra que a taxa de suicídio entre jovens cresceu 6% por ano no Brasil entre 2011 a 2022, enquanto as taxas de notificações por autolesões na faixa etária de 10 a 24 anos de idade evoluíram 29% ao ano no mesmo período.

Os números superam os registrados na população em geral, cuja taxa de suicídio apresentou crescimento médio de 3,7% ao ano e de autolesão de 21% ao ano, no período analisado.

Para onde caminhar
Para combater esse problema, segundo a especialista, é urgente criar espaços seguros para as crianças. “É essencial educar meninos para que não associem benefícios com dominação ou agressão. Entender que meninos nascem com o mesmo potencial para a generosidade, o respeito, a civilidade, para construir e se desenvolver de modo saudável que as meninas, é fundamental”, acrescentou a psicóloga.

A socióloga Andreia acredita que é preciso a valorização dos profissionais da educação. “Precisamos investir no ambiente público educacional de qualidade com formação e carreira para o professor, além de um salário digno. Para, assim, termos interventores diretos desses processos. Precisamos de um profundo diálogo entre toda a comunidade escolar para que as pessoas possam atuar de forma consciente aos problemas cotidianos que a escola nos traz”.

Conforme a psicóloga, é urgente que medidas de proteção e segurança online de crianças e adolescentes sejam adotadas online . Países como a Austrália estão estudando a proibição de mídias sociais para menores de 16 anos. “Os pátios das escolas já não fazem mais barulho de correria, suor, gritos e risadas. Precisamos estar atentos sobre o que o silêncio ou o horror vêm nos comunicando”, ressalta a psicóloga.

Para Nay, é importante não deixar essa educação apenas ao encargo das mulheres, mães, avós, professoras, cuidadoras e madrinhas. “Meninos frequentemente reproduzem violência aprendida com outros homens, que, muitas vezes, se ausentam das funções de educar, de estar presentes, de desenvolver as questões socioemocionais e comportamentais dos meninos, dentro e fora de casa”, afirmou.

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